Vir a Banhos

A proximidade com o mar, que em cada esquina se avista, torna realmente a nossa cidade um lugar privilegiado e peculiar de tal modo que já ao tempo de Ramalho Ortigão a praia de Espinho "é de todas as praias a mais estimada por aqueles que a frequentam. Os banhistas de Espinho tomam-se por este sítio de uma espécie de exaltação patriótica, exclusiva e intransigente”. (*)

Mesmo atualmente o mar, a praia e os modos de vida, de trabalho ou lazer, que eles possibilitam, assumem uma importância fundamental na vida da cidade. Fontes preciosas de sustento para várias gerações de Espinhenses, preenchem ainda hoje diversas dimensões do nosso quotidiano e ocupam inúmeros recantos da nossa memória coletiva.

Reconhecendo a importância fundamental, em termos simbólicos e pedagógicos, de relembrar todo um conjunto de práticas associadas ao "ir a banhos", a Câmara Municipal de Espinho organiza uma recriação de uma praia do início do séc. XX para a qual tem contado com a colaboração de diversos agentes culturais do concelho: Grupo Cultural e Recreativo Semente, Rancho Folclórico Nª Srª dos Altos Céus, Rancho Folclórico Santiago de Silvalde, Rancho Regional Recordar é Viver de Paramos, Teatro Popular de Espinho - Coop. Nascente, Orfeão de Espinho, Classe de Ginástica Rítmica de Competição da Associação Académica de Espinho, Grupo Cénico e Grupo Coreográfico de Espinho , Move'In-Mento - Núcleo de Dança Contemporânea de Espinho, GymnoStar-Associação Desportiva e Associação Espinho Vida.

Para a organização do Vir a Banhos realizou-se um trabalho de pesquisa de que resulta um certo rigor histórico nas diversas ações que se recriam e no modo como os  vários personagens se apresentam, apenas possível com o empenho e entusiasmo de todos os que  tem  participado  nestas recriações.


A diversidade dos campos de ação destes agentes culturais tem permitido recriar dezenas de personagens que, a par com os banhistas, frequentavam as praias de então: vendedores diversos: de água, tremoços, doces, vira ventos; fotógrafos à la minuta; as tão habituais companhias de teatro de robertos e mesmo pequenos circos ambulantes. Recriam-se também diversos jogos com que as pessoas ocupavam o tempo, muitos dos quais chegaram aos nossos dias: cabra-cega, salto ao eixo, as tétulas (jogos com pedrinhas), o prego, os bolinhos  e castelos de areia e lançamentos de papagaios de papel. Os fidalgos, nome por que eram conhecidos os veraneantes que pertenciam a uma burguesia endinheirada,  dedicavam-se a atividades mais recatadas e por isso no Vir a Banhos podemos vê-los sentados em amena conversa, a passear, ler ou até a pintar. Mesmo na hora do banho, onde se cumprem as prescrições médicas, as personagens se distinguem: uns, em grande alarido, levantam as saias ou arregaçam as calças, outros, vestidos a preceito, entregam-se nas mãos do rigoroso banheiro que lhes dará tantos mergulhos quantos os recomendados pelo senhores doutores, que bem conheciam os benefícios terapêuticos dos banhos de mar.

Destas múltiplas sinergias resulta uma iniciativa de carácter sobretudo lúdico, mas que, simultaneamente, constitui uma espécie de "museu vivo" de uma praia do início do século XX, que é o mesmo que dizer de uma dimensão considerável da vida de Espinho desse tempo.

Esta iniciativa, que a Câmara Municipal de Espinho assume como uma espécie de tributo às nossas origens, reúne numa mesma tarde personagens e modos de estar que, ao tempo a que nos reportamos, dificilmente se cruzariam. No entanto, esta animada síntese, de carácter quase cinematográfico, permite-nos uma visão mais ampla do modo como as diferentes pessoas "iam a banhos" e, se nos retira algum rigor histórico, acrescenta-nos, seguramente, muita animação e a possibilidade de cada um de nós nela se rever.

(*) Ortigão, Ramalho - "As praias de Portugal", pág. 89