Associativismo


O Movimento Associativo em Espinho foi, e continua a ser, um espaço que engloba em si a quase totalidade da atividade política, social, religiosa, cultural, recreativa, e desportiva do concelho, assumindo hoje um papel determinante no desenvolvimento sociocultural e desportivo da população espinhense. A forte tradição do associativismo está bem expressa no grande número de associações de vária índole que hoje pululam por todas as freguesias e que fazem parte do nosso património local. Só no Gabinete de Apoio às Coletivas da Câmara Municipal de Espinho estão inscritas 151 coletividades de natureza diversa. A génese deste movimento remonta à segunda metade do século XIX, numa data que não podemos precisar, mas seguramente anterior a 1864. Deixamos aqui quatro exemplos da história do nosso movimento associativo e apresentamos uma listagem com nomes de associações e coletividades que foram criadas em Espinho até aos dias de hoje. Com certeza que poderá faltar esta ou aquela Associação, mas foi a listagem que nos foi possível elaborar. 

ASSEMBLEIA RECREATIVA DE ESPINHO

As estâncias balneares mais concorridas tinham a sua Assembleia, cujos fins eram essencialmente recreativos. Em Espinho, a primitiva Assembleia funcionou num edifício situado próximo da Praça Velha, construindo-se depois no Largo da Senhora da Ajuda uma nova casa. As pequenas dimensões deste prédio, levaram a que a Assembleia Geral, reunida em 1 de outubro de 1864, decidisse construir um edifício mais amplo, situado na Av. Serpa Pinto (Av. 8), ao lado do futuro café chinês. A sua inauguração ocorreu no dia 17 de setembro de 1865.  

As Assembleias eram sociedades anónimas de responsabilidade limitada. Ao analisarmos os estatutos da Assembleia da Praia da Granja, cuja estrutura funcional era idêntica à da Sociedade de Espinho, concluímos que o capital destas Sociedades estava representado por um número correspondente em ações, podendo ser elevado por deliberação da Assembleia Geral que era composta por todos os acionistas. Uma Direção eleita por dois anos (salvo o princípio da revogabilidade), geria e administrava os negócios, e nomeava, demitia, e pagava aos empregados. Ao Conselho Fiscal cabia apresentar anualmente à Assembleia um parecer sobre a gerência da Direção. Note-se que a Assembleia da Granja foi inaugurada em 1869, num edifício que Frutuoso Ayres mandou construir abaixo da linha férrea, em frente à primitiva estação. No dia 8 de agosto de 1876, foi inaugurado um novo prédio e no mês de setembro foram aprovados os estatutos da denominada "Companhia da Assembleia da Granja”. O estatuto social dos frequentadores das duas Sociedades está bem patente quando observamos o seu capital: em Espinho o capital social era em 1908 de 3.500$000 réis; a Assembleia da Granja apresentava em 1876 um capital de 12.000$000 réis.

Ao contrário da Companhia da Granja, em que se notava um predomínio da alta aristocracia tanto ao nível dos corpos gerentes e restantes acionistas, como também em relação aos sócios e visitantes, na Assembleia de Espinho essa tendência é menos significativa e decorria do estatuto social da praia que era menos seletivo. Aqui só temos conhecimento da existência dos acionistas e de sócios que se inscreviam por época balnear. A figura do indivíduo que se inscrevia como visitante só aparece na Assembleia da Granja. Podiam ser sócios e visitantes desta Assembleia todas as pessoas que gozassem de boa reputação. No entanto, cremos que esta inserção só funcionava de acordo com o modelo social que a Praia ostentava. O sócio tinha o direito de apresentar como visitante – durante oito dias consecutivos – qualquer pessoa, depois da respetiva aprovação da Direção. Nas noites de representações, concertos ou "soirées”, extraordinárias, promovidas por sócios, os visitantes não podiam frequentar os salões, decisão que deixava transparecer um ambiente restrito, familiar – "Le tout Paris”, como escreveu ironicamente Ramalho Ortigão – que agradava a uns e desagradava a outros.

Do conjunto de diretores que passaram pela Assembleia de Espinho, salientamos as figuras do industrial e comendador Joaquim de Sá Couto, o maior acionista da Sociedade até 1900, do Conde das Devesas, Francisco Pereira Pinto de Lemos, Tito de Noronha, João da Veiga Campos, José Moreira Pinto, Manuel Pinto de Almeida, Agostinho de Almeida Rego, do Conde da Foz de Arouce, Francisco A. M. P. Pinto, Henrique Ferreira, Manuel Augusto Correia Bandeira, Aragão Morais, José de Sá Couto Moreira Santos, Bento Teixeira do Amaral, Alfredo Lemos, António Francisco Pereira Ramos, Bernardo de Lencastre, João Francisco da Silva Guetim, João Francisco Pereira Ramos, Francisco Fernandes Coelho de Amorim, Jorge da Cunha e José Domingos Costa.
O relatório e contas da Assembleia de Espinho referente à gestão de 1899 menciona como receita a quotização dos sócios, o aluguer do rés-do-chão no qual se instalou o café Peninsular, e o rendimento das mesas de jogo. As despesas com o material de secretaria, os pagamentos ao pessoal e músicos, e o aluguer do piano, eram os gastos mais frequentes. O documento refere ainda o pagamento de juros de sessenta e uma obrigações repartidas pelos seguintes obrigacionistas: Alexandre Silvestre Correia, António Veloso de Araújo, João Coelho Brandão, Joaquim de Sá Couto, Joaquim Vaz da Costa Simões, José da Silva Carvalho, Manuel Coelho de Carvalho e Manuel Gomes Teixeira.    

A Assembleia Recreativa abria as suas portas normalmente no primeiro dia de agosto e encerrava no decorrer do mês de novembro. Todos os anos os frequentadores tinham que efetuar a sua inscrição como sócios e pagar a respetiva quota, que na época balnear de 1909 custou 5$000 réis. No verão de 1913 a Assembleia não funcionou, o que originou protestos por parte da vereação espinhense que propôs a contratação de um sexteto para tocar nos baixos do edifício. Este facto levou a que algumas famílias, habituais frequentadoras do local, conseguissem o empréstimo dos salões para a realização de concertos e "soirées” dançantes. Em dezembro de 1914, o jornal "Gazeta de Espinho” noticiava que a Assembleia Geral reunida em sessão extraordinária no dia 16 de novembro de 1912, resolveu dissolver a Sociedade anónima, nomeando para o efeito uma comissão liquidatária, composta por acionistas, a qual marcou o prazo de um ano para concluir a respetiva liquidação dos haveres. No mês seguinte, em janeiro de 1915, o mesmo periódico espinhense referia que de acordo com o disposto no n.º 3 dos estatutos, a Comissão liquidatária convidava todos os acionistas a apresentarem no prazo de sessenta dias as suas ações devidamente legalizadas, a fim de serem resgatadas na proporção de 10$00 por ação. O convite não surtiu efeitos práticos e, passados três meses, a Comissão fixava a data de 10 de maio como a última hipótese para os acionistas regularizarem a sua situação. Por falta de elementos não sabemos se a dissolução da Sociedade se chegou a concretizar. O certo é que, no mês de agosto, a Assembleia de Espinho, depois de ter passado por importantes melhoramentos, abriu os seus salões e funcionou durante toda a época balnear. E de acordo com as palavras do Maestro Fausto Neves, em "Espinho Há 50 Anos”, o edifício da Assembleia foi adquirido por Manuel Joaquim e Marques dos Santos e funcionou até 1928.

Dos cento e cinquenta e seis acionistas que constam da lista anexa ao "Relatório e Contas”, 90% são homens, e dois dos seis maiores acionistas eram mulheres. Aparecem também registados quatro menores. Os vilegiaturistas que detinham ações da Sociedade provinham de várias zonas de Portugal, porém, o maior número era originário, por ordem decrescente, das seguintes cidades: Feira, Porto, Gaia, Espinho e Lisboa.

O edifício da Assembleia acabou por ser vendido em 1928, à empresa Espinho-Praia concessionária da zona de jogo, quando este foi regulamentado pelo Estado, e numa altura em que se caminhava para um turismo socialmente muito mais abrangente. Na praia da Granja o panorama foi muito diferente. A sua Assembleia permaneceu ativa até 1969 e foi a principal animadora das épocas balneares dos "granjolas”, e também a dinamizadora de importantes melhoramentos que se realizaram nesta praia ao longo de um século, como por exemplo a construção da Piscina pública em 1937/38. Como escreveu Ramalho Ortigão, na Granja os banhistas "não eram somente os habitantes, em grande parte proprietários das casas, eram ao mesmo tempo os donos da povoação. As despesas gerais, o clube, a fonte, a igreja, o mercado, a rua, eram mantidas pela comunidade, que se quotizava para esse fim. Notável exemplo do princípio da descentralização na sua mais larga escala”. Contudo, a "grande quinta particular, habitada por várias famílias para esse efeito constituídas em sociedade de comandita ou em companhia anónima”, nunca se abriu ao exterior, permaneceu fechada dentro das paredes da sua Assembleia e, quando esta se dissolveu, a famosa Praia aristocrática dos finais do século XIX entrou em agonia. 


ASSOCIAÇÃO DE SOCORROS MÚTUOS DE ESPINHO

O associativismo mutualista português teve, no decorrer do século XIX, duas fases distintas: a primeira durou até 1850 e resultou da fundação dos Montepios (associações com a finalidade de garantir a subsistência aos herdeiros diretos dos sócios); a partir de 1870, temos uma segunda fase caracterizada pela crescente fundação de Associações de Socorros Mútuos, nome que se tornou vinculativo com a publicação do decreto de 28 de fevereiro de 1891. Algumas dessas associações eram ao mesmo tempo de classe e mutualista, outras continuaram a reger-se por normas corporativas e uma terceira via veio "a abranger os mais variados grupos profissionais ou sociais, com especial incidência nos escalões médio e baixo da sociedade”. Todas elas tinham como principal objetivo fornecer assistência aos seus associados e familiares mais próximos, e os seus estatutos previam para esse efeito a atribuição de subsídios na doença e acidentes de trabalho, desemprego, prisão e funeral. A Associação de Socorros Mútuos de Espinho, que podemos incluir neste último grupo, foi fundada em 25 de fevereiro de 1894. Na primeira reunião, que teve lugar numa casa situada na rua da Estação (Rua 17), e por proposta de António Augusto de Abreu e José António Pires de Resende, foi nomeada uma mesa que presidiu aos trabalhos, composta pelos seguintes membros: Joaquim Pereira Fula, presidente, António Pedro Félix, 1.º secretário, Abel da Mota Dias Gomes, 2.º secretário. De acordo com o quadro n.º 1, os estatutos da associação foram elaborados por uma Comissão constituída por elementos oriundos de vários estratos da sociedade espinhense com predomínio para os membros dos estratos superiores: Abel da Mota Dias Gomes, António André de Lima (Padre), António Augusto de Abreu (Chefe da Estação dos Caminhos de Ferro), António de Oliveira Salvador (Negociante), António Pedro Félix (Estudante), César Esteves Moreira (Padeiro), Domingos de Oliveira Pinto (Negociante), Eduardo Dias, Jeremias Pais de Almeida (Negociante), João Dias Pinto Júnior, João Fernandes Leite (Negociante), João Francisco da Silva Guetim (Capitalista), Joaquim Pereira Fula (Capitalista), José Alves da Rocha (Carpinteiro), José António Pereira da Rocha (Proprietário), José António Pires de Resende (Farmacêutico), Luís Alves da Silva (Negociante), Manuel Alves Moreira (Proprietário), Manuel da Silva Vaz (Carpinteiro), Manuel Fernandes Passos (Negociante).

O título da nova associação foi atribuído depois de uma ampla discussão em torno de duas propostas: a de Abel da Mota Gomes sugeria que a associação se designasse por "Grémio Popular” e tivesse fins instrutivos, benéficos e recreativos; a de João Francisco da Silva Guetim, aprovada por maioria, considerava que a primeira designação apresentada era imprópria para uma sociedade de socorros e propôs, em conformidade com o decreto de 28 de Fevereiro de 1891, o nome de "Associação de Socorros Mútuos de Espinho”.  Numa segunda reunião procedeu-se à nomeação da Comissão Administrativa que teve como funções gerir os destinos da associação até à eleição dos primeiros corpos gerentes. Essa comissão foi presidida por António Augusto de Abreu, coadjuvado por Manuel Alves Moreira, vice-presidente, Jeremias Pais de Almeida, 1.º secretário, Álvaro Dias, 2.º secretário, César Esteves Moreira, tesoureiro, João Francisco da Silva Guetim, António de Pinho Branco Miguel, Luís Alves da Silva, José Rodrigues Pereira, vogais e Narciso José Milheiro, Domingos de Oliveira Pinto, João Fernandes Leite e Manuel da Silva Vaz, vogais suplentes. Por proposta do presidente a associação abrangia os sócios residentes na praia de Espinho e nas freguesias de Anta e Silvalde, tendo em vista sobretudo o proletariado.
          
A Comissão elaborou dois regulamentos internos que estipulavam as obrigações entre o facultativo e os associados e o trabalho do cobrador, procedeu à cobrança de quotas, fixou as importâncias de 20 réis mensais a pagar por cada sócio para remunerar o cobrador e de 40 réis para a compra do impresso de proposta de admissão a sócio ou de outros requerimentos. Foi aprovada uma resolução que apenas admitia como sócios de terceira classe os indivíduos que não tivessem outros meios de subsistência a não ser o produto do seu trabalho quotidiano. Com a aprovação dos estatutos por alvará régio de 21 de dezembro de 1894 procedeu-se à primeira eleição dos corpos gerentes ficando definitivamente instituída a associação mutualista espinhense com fins de assistência e beneficência.

Os Estatutos          

Dos primeiros estatutos apenas podemos referir que eram constituídos por dez capítulos, quarenta e seis artigos e cinco tabelas e foram aprovados em conformidade com o decreto-lei de 28 de fevereiro de 1891, que regulava o modo de funcionamento deste tipo de associações. O decreto-lei de 2 de outubro de 1896 fez a revisão das disposições contidas no decreto anterior e desse modo obrigou as associações que não tivessem os seus estatutos de acordo com os preceitos do presente decreto, a procederem à reforma dos mesmos. Mediante o parecer da Comissão que trabalhou nessa reforma verificou-se que o grande problema da Associação espinhense era o seu desequilíbrio económico e financeiro. Para obter esse equilíbrio tornava-se necessário que as despesas com regalias concedidas aos sócios não excedessem o valor da quotização anual que cada sócio pagava, situação que não se verificava. A despesa com o fornecimento de medicamentos aos sócios e seus familiares diretos (cônjuge e filhos) absorvia em 1896 um terço da receita ordinária, não havendo um único sócio que deixasse de fazer despesa. A solução encontrada para a resolução deste problema passava por aumentar a quotização e restringir ao máximo o fornecimento de medicamentos gratuitos, o que não veio a acontecer. As alterações aos estatutos resumiram-se aos seguintes termos: modificação e melhoria da tabela dos subsídios; fim do pagamento de joia; devido ao baixo número de sócios de 1.ª classe resolveram fundir numa só classe os sócios de 1.ª e 2.ª; a 3.ª classe de sócios foi conservada pelos mesmos motivos que já haviam determinado o seu estabelecimento – baixos rendimentos salariais e precárias condições de vida; abolição do subsídio de luto; criação de uma escola da associação. Às associações era permitido por lei, desde que ficasse consagrado nos estatutos, a fundação de creches, enfermarias, escolas, bibliotecas e salas de estudo, constituindo-se para isso fundos ou receitas especiais e contabilidade autónoma. O projeto para a fundação da escola contemplava o aluguer de um edifício com as condições exigidas para esse fim e a quotização semanal de 10 réis e mais uma quota mensal de 400 réis a pagar por todos os sócios que tivessem filhos a frequentar o estabelecimento de ensino. De acordo com a Comissão, o preço não era caro atendendo ao facto de que um só aluno numa escola particular pagava mais e muitas vezes a qualidade do ensino era fraca. A escola só poderia funcionar com uma receita fixa a rondar os 22$300 réis, para fazer face a uma despesa equivalente resultante do ordenado do professor e aluguer da casa (18$000 réis), fundo permanente mensal (554 réis) e saldo a favor do fundo disponível (3$746 réis). A esta última verba juntava-se as propinas e quotas dos filhos dos sócios honorários e protetores, que também pagariam quotas especiais destinadas à compra de livros para os sócios mais necessitados e outro material indispensável para o ensino, e ao estabelecimento de prémios como estímulo ao estudo. O mobiliário para equipar a escola seria obtido através de donativos ou de receitas provenientes de subscrições ou quermesses. A Comissão previa ainda a aquisição de um terreno para nele ser construída a sede da Associação, utilizando para esse fim o capital social da sociedade. Apesar de ter sido aprovado, o projeto da criação da escola não teve seguimento.

Em 1905, e em virtude do aumento da despesa que se vinha acentuando, o Conselho Fiscal propôs uma nova reforma dos estatutos que foram aprovados por alvará régio de 21 de fevereiro de 1908. Segundo o novo documento, a Associação era composta por indivíduos de ambos os sexos, residentes nas freguesias de Espinho, Anta e Silvalde e tinha como fins, socorrer os sócios doentes ou impossibilitados temporariamente de trabalhar, prestar serviço médico e medicamentoso aos sócios e familiares e a concessão do subsídio de funeral. Anexa à Associação funcionaria uma Caixa Económica que se regeria por estatutos especiais aprovados pelo governo. Uma parte dos seus lucros seria aplicada na constituição de uma escola, biblioteca e sala de estudo.

Os sócios dividiam-se em efetivos, honorários e beneméritos. Os sócios efetivos, repartidos por duas classes, contribuíam com as suas quotas e usufruíam de todos os benefícios. A categoria de sócio honorário era atribuída àqueles que, pagando as suas quotas ou doando bens, declarassem não querer usufruir das vantagens estabelecidas para os sócios efetivos. A direção podia conceder o diploma de sócio benemérito a todos os elementos que prestassem serviços relevantes à Associação. Qualquer pessoa, para ser admitida como sócio, tinha que ser proposta à direção por outro associado, possuir bom comportamento moral e civil e não padecer de doença aguda, subaguda ou crónica. Os homens não podiam ter menos de quinze e mais de cinquenta e cinco anos de idade e as mulheres não podiam ultrapassar os quarenta e cinco anos. Tanto os menores como as mulheres só podiam ser sócias mediante a autorização dos pais e marido. Todo o sócio efetivo ou honorário maior de vinte e um anos ou legalmente emancipado tinha os seguintes direitos: voto nas deliberações da Assembleia Geral; ser eleitor e eleito para todos os cargos da Associação; ser visitado pelo médico associativo quando estiver doente; os filhos, mulher e parentes ou criados que vivessem debaixo do seu teto tinham direito à visita médica; a ser tratado por um médico estranho à Associação desde que fosse participado por escrito à Direção; aos medicamentos constantes nas receitas médicas com exceção de medicamentos para combate à sífilis e tratamentos termais; a medicamentos para as mulheres e filhos (após o primeiro ano de admissão e só para os sócios de 1.ª classe); a transitar de classe, e a receber os subsídios de doença, prisão e funeral, conforme a classe de associado. Os sócios, para além dos direitos, tinham que cumprir os seguintes deveres: respeitar os estatutos; respeitar as deliberações da Assembleia Geral e Direção; servir com zelo nos cargos para que fossem eleitos; pagar as quantias estipuladas referentes às cadernetas, diploma, estatutos e regulamento, distintivo, pagamento mensal ao cobrador, quota semanal e requerimento de admissão. A perda do direito a todos os benefícios e a expulsão de sócio resultava da prática das seguintes infrações: encobrir alguma doença de que já padecesse; condenação pelo tribunal a pena maior; comportamento irregular; desobediência ao facultativo; não cumprimento dos estatutos e regulamentos; o débito de doze quotas seguidas e o não pagamento no prazo de trinta dias depois de oficiado; mais de três penas de suspensão. O sócio podia ainda ser punido com a suspensão dos socorros pecuniários, médicos e farmacêuticos, especialmente no caso de ser encontrado a trabalhar ou a praticar qualquer ato que pudesse piorar ou demorar a sua cura. As desordens nas reuniões da assembleia geral eram punidas com a suspensão do direito de discutir e de voto por um período que podia ir dos quatro aos oito meses.

Os corpos gerentes da Associação eram constituídos por uma Assembleia Geral, Direção e Conselho Fiscal. A eleição para os diferentes órgãos era feita por escrutínio secreto, a não ser que a Assembleia Geral optasse por uma eleição através da aclamação. Todos os sócios que tivessem exercido cargos administrativos dois anos seguidos, só poderiam ser novamente eleitos um ano após o término das suas funções. Os cargos dos diferentes corpos sociais não podiam ser ocupados por cidadãos que recebessem retribuições da Associação, que fossem seus fornecedores ou que com ela estabelecessem algum contrato. O poder soberano da Associação pertencia à Assembleia Geral que se reunia em três sessões ordinárias anuais: no terceiro domingo de fevereiro de cada ano, para discutir, aprovar ou modificar as contas de gerência do ano transato; no terceiro domingo de julho para analisar as contas do semestre anterior; no terceiro domingo de novembro para eleger os corpos sociais para o ano seguinte. Em caso de necessidade ou quando fosse requerido por mais de vinte sócios, reunia extraordinariamente. A direção dos trabalhos competia a uma mesa dirigida por um presidente e dois secretários. A assembleia tinha como principais atribuições aprovar ou modificar as contas de gerência, conhecer o estado da Associação pelos balancetes semestrais, deliberar sobre as propostas apresentadas pela Direção, Conselho Fiscal e sócios, aprovar os diversos regulamentos, revogar o mandato dos outros dois órgãos sociais, alterar os estatutos, conferir diplomas de sócios honorários e votar a dissolução da Associação. Os assuntos discutidos eram aprovados com a maioria dos votos e, no caso de empate, o presidente da mesa tinha voto de qualidade.

A administração da Associação cabia à Direção composta por presidente, secretário, tesoureiro, quatro diretores efetivos, incluindo um da freguesia de Anta e outro da de Silvalde, e dois suplentes. Havia a conveniência, por questões de continuidade dos trabalhos desenvolvidos, que cada Direção integrasse alguns elementos da administração anterior. As reuniões ordinárias realizavam-se nos dias 1 e 15 de cada mês e as extraordinárias sempre que fosse necessário. No âmbito das suas funções, a Direção devia cumprir e fazer cumprir os estatutos e os regulamentos internos, distribuir e fazer distribuir os socorros determinados, resolver sobre a admissão dos sócios efetivos e honorários, nomear os empregados, organizar o balancete semestral e o relatório anual da sua gerência, e administrar os bens e rendimentos da Associação. De acordo com o art.º 19.º do decreto-lei de 2 de outubro de 1896, a Direção era obrigada a enviar anualmente à Repartição do Comércio do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria e ao Conselho Regional uma cópia do relatório, contas, balanço e parecer do Conselho Fiscal, e todas as informações requeridas sobre a situação e gerência da Associação.

O Conselho Fiscal era composto por três membros efetivos que entre si escolhiam o presidente, secretário e vogal, e três suplentes para substituírem na falta ou impedimento dos efetivos. Este órgão fiscalizador tinha as seguintes competências: examinar de três em três meses toda a escrituração da Associação; convocar uma Assembleia Geral extraordinária e assistir às reuniões de Direção sempre que julgasse necessário; informar sobre o balancete semestral e dar parecer sobre as contas anuais. Os fundos da Associação dividiam-se em permanente, de reserva e disponível. O primeiro era constituído por receita adquirida através de legados ou donativos, subscrições, quermesses e espetáculos públicos dados em benefício da Associação. Este fundo seria empregue em títulos de dívida pública, outros papéis de crédito e em empréstimos sobre hipotecas ou sobre penhores não sujeitos a deterioração e ao juro de 6%. Os estatutos só previam a sua utilização no caso em que os fundos disponíveis e de reserva não fossem suficientes para o pagamento das despesas. O fundo de reserva era depositado à ordem da Direção na Caixa Económica da cidade do Porto e a sua aplicação só ocorria quando não fossem suficientes os fundos disponíveis para fazer face às despesas correntes. Sempre que este fundo atingisse o valor de 50$000 réis essa importância passava para o fundo permanente. As receitas provenientes da quotização semanal e do rendimento dos capitais da Associação integravam o fundo disponível. O tesoureiro nunca podia ter em sua posse uma quantia superior a 200$000 réis.

Na parte das disposições gerais, os estatutos previam a contratação de empregados e médicos necessários ao serviço e também a celebração de uma missa no dia do aniversário da Associação pela alma dos sócios falecidos. Para proceder à alteração dos estatutos era indispensável uma proposta escrita e assinada pela Direção ou por vinte sócios e a eleição de uma Comissão que desse um parecer sobre a mesma proposta. Depois de discutidos e votados por uma maioria de sócios presentes em Assembleia Geral, os estatutos eram sujeitos à aprovação das autoridades competentes e só entravam em vigor depois de lavrado o respetivo alvará régio. Em 24 de Janeiro de 1909 foi apresentada, em Assembleia Geral, uma proposta da Direção para a remodelação dos estatutos com o fim de ser criada uma secção funerária anexa à Associação. Depois de estudada a nova proposta, a Comissão formada pelos sócios João Francisco da Silva Guetim, Manuel Casal Ribeiro, Armínio Alves Vieira, Francisco de Pinho Faustino e Pompeu Duarte de Araújo deu o seguinte parecer: a reforma dos estatutos justificava-se porque tinha como principal objetivo contribuir para o progresso e engrandecimento da Associação; em virtude do artigo 2.º ser alterado, devia o seu nome ser modificado para "Associação de Socorros Mútuos e Beneficência Fúnebre Familiar de Espinho”; no projeto de estatutos a elaborar deveriam ser intercalados no texto os artigos referentes aos direitos, deveres e penalidades das novas classes de sócios; que deveriam ser feitas todas as alterações necessárias à boa regularização dos serviços. Os estatutos aprovados por alvará régio de 20 de janeiro de 1910 introduziram importantes modificações na estrutura da Associação, com particular benefício para os sócios mais carenciados que passaram a usufruir de novas regalias. Em primeiro lugar foi criada a secção funerária e, por essa via, o título mudou para "Associação de Socorros Mútuos e Fúnebre Familiar de Espinho”. Foi permitida a entrada de estrangeiros desde que residentes nas freguesias de Espinho, Anta e Silvalde. Para efeitos de socorros, escrituração e contas a Associação, passou a dividir-se em duas secções: a primeira constituída por sócios de 1.ª e 2.ª classe; a segunda por sócios de 3.ª e 4.ª classe. A caixa económica anexa à Associação passou a designar-se por "Caixa Económica de Espinho” e os seus lucros seriam investidos não só na fundação de uma escola e biblioteca, como já estava previsto nos estatutos anteriores, mas também na criação de um fundo de pensões a órfãos e viúvas dos sócios. O grau de sócio benemérito deixou de ser atribuído apenas com base nos serviços relevantes prestados à Associação, passando também a ser conferido ao sócio que angariasse cinquenta novos sócios. Esta alteração visava um potencial aumento da receita. Outra novidade foi a restrição da idade para admissão a sócio (quarenta e cinco anos) e o fim da distinção entre os dois sexos. Os sócios podiam filiar-se em uma ou mais classes e transitar de uma para outra desde que pagassem as quotas inerentes a cada classe e que daí não decorresse prejuízos para a Associação. Os novos deveres permitiam que cada sócio pudesse queixar-se por escrito à Direção quando os cobradores não fizessem a cobrança regularmente. Deviam obrigatoriamente participar a mudança de residência quando dessem entrada num hospital, casa de saúde ou caridade e cadeia, indicando a pessoa a quem delegavam poderes. A indicação do nome e dia do nascimento de filhos era imprescindível, afim de terem direito aos respetivos benefícios. 

A participação nos atos eleitorais só era permitida aos sócios masculinos maiores de idade, facto que era comum numa sociedade predominantemente patriarcal em que a grande maioria das mulheres desempenhava um papel passivo, limitado quase sempre à vida doméstica. Os novos direitos dos associados, inscritos há mais de três meses, abrangiam as seguintes situações: recorrer para a assembleia geral ou, na sua falta, para os tribunais competentes sobre qualquer resolução contrária às disposições dos estatutos; examinar as contas da Associação e outros documentos antes de serem apresentados à assembleia geral. Quanto às regalias, estas continuaram a ser proporcionais à classe a que o sócio pertencia, numa base estabelecida entre a quantia da quota a pagar e os direitos a adquirir: visita ou consulta médica para si e seus familiares incluindo os servos (só para sócios de 3.ª classe); visita médica e medicamentos (sócios de 1.ª e 2.ª classe). Os subsídios por doença, prisão e funeral atribuídos aos sócios de 1.ª e 2.ª classe não sofreram alterações. Os sócios de 4.ª classe e as suas famílias só eram contemplados com o subsídio de funeral e de luto. Para pagamento deste subsídio retiravam semanalmente uma verba das quotas dos sócios de 1.ª e 2.ª classe (10 réis) e de 3.ª classe (20 réis). Os funerais realizados pela Associação podiam ser civis ou religiosos, consoante a última vontade do sócio ou em conformidade com o desejo da família.  

Os novos estatutos foram mais transparentes e abrangentes do que os anteriores no tocante à definição de família do sócio para efeitos de atribuição de subsídios. Dentro desse âmbito eram considerados os seguintes elementos: esposa ou marido; filhas solteiras que vivessem na companhia do sócio há mais de um ano; filhos com idade não superior a catorze anos; filhos deficientes há mais de dois anos que não pudessem exercer qualquer profissão; pessoa que convivesse em comum com o sócio falecido por um período superior a seis meses e o amparasse até à morte, exercendo o governo da casa nas condições de cônjuge; pais, sogros e filhas viúvas na dependência do sócio e que não tivessem direito a funeral por parte da Associação ou de outra instituição; menores de catorze anos órfãos de pai e mãe que vivessem em companhia do sócio há mais de seis meses. Nenhum sócio podia proteger mais de uma destas pessoas (pais, sogros, filhas viúvas e órfãos) e apenas no caso de falecimento é que podia dar proteção a outra. O duplo subsídio de funeral só era pago nas situações em que a mulher e o marido fossem ambos sócios de 3.ª ou 4.ª classe e qualquer deles ou pessoa de sua família (filhos) falecessem. À morte de um sócio solteiro o subsídio de luto seria concedido aos seus pais e sendo casado seria entregue à viúva ou à pessoa que com ele vivesse. A pessoa estranha à família que provasse ter realizado o funeral sem haver recorrido a esmolas e subscrições recebia o subsídio de funeral, e o direito ao subsídio de luto era exclusivo da família do sócio e subsistia ainda que o enterro fosse feito a expensas de outra pessoa. O cônjuge do sócio falecido, se assim o desejasse, podia continuar como sócio, bastando para isso submeter-se a uma inspeção médica e efetuar os pagamentos devidos à sua inscrição, entrando imediatamente no gozo dos seus direitos.

No capítulo das penalidades, as suspensões dos direitos e a perda a socorros e subsídios passaram a ser de quinze, trinta e sessenta dias. Os sócios de 3.ª e 4.ª classe que promovessem qualquer subscrição para o enterro de familiares que a ele tivessem direito através da Associação, seriam punidos com a suspensão de socorros por seis meses. Seriam igualmente punidos os sócios de 4.ª classe que devessem mais de oito quotas semanais. As faltas sem justificação dos membros dos corpos gerentes às reuniões eram punidas com uma multa de 200 réis. A perca de todos os direitos acontecia nas seguintes ocorrências: débito de mais de vinte e seis quotas semanais para os sócios de 1.ª e 2.ª classe e mais de cinquenta e duas quotas para os de 4.ª classe; despedimento ou eliminação; ausência de sócios que não continuassem a pagar as suas quotas. O julgamento das infrações realizava-se em sessão pública da Direção estando presente o acusado e testemunhas de acusação e defesa. A aplicação da pena era sempre decidida em harmonia com as disposições dos estatutos, podendo o infrator apresentar recurso da sentença no prazo de trinta dias.
         
Em relação aos corpos gerentes observam-se poucas mudanças. O presidente da Assembleia deixou de ter voto de qualidade e os sócios que exigissem uma reunião da Assembleia Geral e não estivessem presentes eram obrigados a pagar a quantia de cinco mil réis para o fundo das pensões. Para garantir esse pagamento a quantia seria depositada, a título provisório, na tesouraria da Associação e só devolvida depois de realizada a reunião da Assembleia Geral. A constituição da Direção manteve-se, sofrendo apenas alterações na designação dos diretores que passaram a vogais (efetivos e substitutos). As vagas que surgissem na Direção seriam preenchidas pelo substituto mais votado e, no caso de ter igual número de votos, pelo elemento mais velho. Deixou de constar o artigo a referir que deveriam fazer parte de cada Direção alguns membros da gerência anterior, e as reuniões ordinárias passaram de quinzenais a mensais, o que ainda se verifica. Competia-lhe consultar o Conselho Fiscal em todos os assuntos que julgasse indispensável e participar à Repartição do Comércio e Indústria, ao Conselho Regional e ao Administrador do concelho, a mudança da sede da Associação. Todos os sócios eleitos para os corpos administrativos de mais do que uma Associação congénere, só poderiam tomar posse em uma delas. A proposta dos salários dos empregados cabia à Direção, mas a sua fixação definitiva pertencia à Assembleia Geral.  

As deliberações tomadas pelos corpos gerentes faziam prova pelas respetivas atas cujas certidões deviam ser passadas pelo secretário, no prazo de oito dias depois de requeridas por qualquer sócio ou por requisição do Conselho Regional. As gerências eram e continuam a ser reguladas por anos civis e os novos eleitos tomavam posse dos seus cargos e de todos os haveres da Associação, por inventário, no dia 1 de janeiro. O regulamento interno estipulava todas as atribuições inerentes a cada um dos corpos administrativos, sócios e empregados. Nas funções a desempenhar pelos corpos gerentes foi introduzida uma norma que não permitia o exercício de qualquer cargo a indivíduos que tivessem parentesco entre si até ao terceiro grau por direito civil.

Com os novos estatutos, o fundo de reserva passou a ser constituído com base no produto líquido dos espetáculos, quermesses, legados e donativos, e o fundo permanente com as quantias excedentes a 50$000 réis que no fim de cada gerência existissem nos outros dois fundos (disponível ou de reserva). A receita líquida dos espetáculos e quermesses era dividida em partes iguais pelas duas secções. Fazia parte do fundo disponível da primeira secção, o produto das cadernetas, requerimentos, estatutos e diplomas pagos por os sócios da segunda secção. Os fundos permanentes convertidos em papéis de crédito poderiam ser emprestados a um juro anual de 10%. Todos os fundos da Associação eram depositados na Caixa Económica de Espinho, quando fosse fundada, ou na Caixa Económica Portuguesa antes dessa fundação, e os fundos pertencentes a cada umas das secções só podiam ser aplicados para o fim a que se destinassem. As admissões dos facultativos e empregados estavam sujeitas a concurso público, sendo depois escolhidos por votação secreta e tendo preferência os sócios em igualdade de circunstâncias. A disposição dos estatutos no que diz respeito ao aniversário da Associação permitia a substituição da missa por uma sessão solene. A segunda secção criada pela presente reforma ficava isenta de qualquer despesa nos primeiros doze meses após a aprovação destes estatutos e, passado esse prazo, contribuiria para as despesas com o facultativo e renda de casa, não podendo essa quantia ultrapassar 50% da sua totalidade. A comissão para a organização do projeto de reforma dos estatutos podia ser constituída por membros da direção e do conselho fiscal. Este documento vigorou até 24 de março de 1917, data do alvará assinado pelo Presidente da República Bernardino Machado, que aprovou uma nova reforma dos estatutos.
        
Os Sócios

O estudo da composição social da Associação de Socorros Mútuos de Espinho dentro do período da génese e consolidação da Associação (1894-1915), foi elaborado com base em 790 registos de sócios. De acordo com esta análise, 90% eram do sexo masculino e apenas 10% do sexo feminino. A percentagem de mulheres é pouco significativa e isso deve-se, em primeiro lugar, ao facto de os estatutos conferirem regalias à família do sócio, especialmente socorros médicos e medicamentos e, por outro lado, não nos podemos esquecer que estamos perante uma sociedade em que a mulher era considerada um ser que vivia na estrita dependência do homem. Convém acrescentar que, em conformidade com o artigo 13.º dos estatutos, a mulher não podia ser eleitora nem elegível para os corpos sociais e só podia entrar para sócia mediante autorização escrita do marido. A média de idade da entrada para sócio rondava os 32 anos e mais de 75% dos associados eram casados. Os associados foram repartidos por quatro classes e até 1909 a 2.ª classe englobava 65, 5% dos sócios e a 3.ª classe 6,2%. Contudo, a partir de 1910, esta situação começou a inverter-se, e podemos acrescentar, tendo por base o relatório de contas da gerência de 1914, que no final desse ano existiam 181 sócios na 1.ª Secção (1.ª e 2.ª classes) e 373 na 2.ª secção (3.ª e 4.ª classes).

Os estatutos só autorizavam a entrada para sócio a pessoas que residissem no concelho de Espinho, ou nas freguesias limítrofes de Anta e Silvalde, que na época pertenciam ao concelho da Feira. O maior número de associados vivia em Espinho e a freguesia de Anta, geograficamente mais próxima da sede da Associação do que a freguesia de Silvalde, apresentava um baixo índice de sócios. Nesta freguesia foi fundada, em 10 de setembro de 1905, a Associação de Socorros Mútuos Fúnebre de S. Francisco de Assis de Anta. Daí justificar-se o baixo número de pessoas inscritas na associação espinhense.
                                         
A origem socioprofissional dos associados abrangia diversas profissões, com destaque para os pescadores, negociantes, tanoeiros, carpinteiros e cordoeiros. Se juntarmos as atividades profissionais em nove grupos (trabalhadores, sem profissão, artesãos e operários, pescadores, negociantes, marítimos e banheiros, lavradores, funcionários públicos e profissionais liberais, capitalistas, industriais e proprietários), verificamos que os estratos sociais mais baixos constituídos por operários e pescadores estavam em maioria. Contudo, nenhum desses elementos ocupou o cargo de presidente da Direção durante os anos que investigámos. Apenas o ourives João da Silva Pereira Barros, e o empregado comercial Matias Lopes de Castro, presidiram à Assembleia Geral. No Conselho Fiscal registamos a presença de carpinteiros, alfaiates e de um correeiro. Assim, os cargos de direção foram ocupados por negociantes, proprietários e profissionais liberais que representavam 30,3 % do total dos associados. No conjunto dos sócios nota-se uma forte participação de pessoas com atividades profissionais ligadas ao mar (pescadores, peixeiras e banheiros) o que em parte se explica por uma pressão exercida pelas autoridades marítimas junto dos pescadores das companhas para que se inscrevessem como associados. Para os grupos sociais mais desfavorecidos, a Associação de Socorros Mútuos era o único meio de acesso gratuito à assistência médica e medicamentosa. Os cidadãos que se inscreveram no ano de 1894 são considerados sócios instaladores, e ao longo do período em análise o não pagamento das quotas em conformidade com a alínea e) do art.º 13.º dos estatutos foi a causa mais frequente da sua eliminação. Por outro lado, as categorias de sócio benemérito e honorário e também alguns louvores registados, foram atribuídas a vários associados que prestaram valiosos serviços ao associativismo mutualista local.

Facultativos e Empregados
          
O lugar para facultativo era posto a concurso e publicitado nos principais periódicos da cidade do Porto. O Dr. Castro Soares exerceu o cargo a partir de 1894, e em 1902 aparece como médico o Dr. Joaquim Pinto Coelho. O Relatório da Gerência de 1914 elogiou os serviços clínicos deste facultativo, destacando a caridade e carinho com que tratava todos os que necessitavam dos seus serviços. Em virtude da falta duma sede própria, a Associação ocupou vários prédios até que em 1904 instalou o seu consultório médico na rua Bandeira Coelho, n.º 62, com um atendimento público diário das 10 às 12 horas e mantendo da parte da tarde um serviço de urgências. O vencimento do facultativo foi fixado em 200$000 réis anuais. O regulamento de farmácia, aprovado em 1895, permitiu a celebração de contratos com os farmacêuticos António Mendes dos Santos, José António Pires de Resende e José Lopes Barbosa, os quais ficaram obrigados a fornecer os medicamentos aos associados a preços estipulados pela Direção. As vacinas, especialmente contra a varíola, eram oferecidas pelo município. A Associação tinha como empregados um escriturário, um cobrador e um servente que fazia a limpeza da sede e do consultório médico. O trabalho do escriturário consistia em redigir todas as atas dos Corpos Sociais, escriturar a correspondência expedida e registar a recebida. Ocuparam este lugar os sócios António José Pereira, Manuel Gomes Ferreirinha e Jerónimo Alves Moreira, com um vencimento de 40$000 réis anuais. O serviço de cobrança foi desempenhado por Manuel Augusto Bastos e António José Pereira, e o pagamento das despesas de cobrança era retirado da quotização mensal (20 réis) dos sócios.

As Gerências

A grande maioria das Direções eleitas limitaram-se a gerir os dinheiros da Associação, tendo em conta o natural equilíbrio que era necessário respeitar entre a receita e a despesa. As primeiras duas gerências instalaram a Associação, elaboraram estatutos e regulamentos internos (em especial o regulamento do serviço farmacêutico), contrataram o facultativo, e trataram de angariar associados. Em 1896 foi celebrado o contrato com os farmacêuticos do concelho e nomeados os fiscais visitadores junto dos sócios doentes: João Fernandes Leite e José António Pereira da Rocha, para a freguesia de Espinho e José Vieira da Silva, para a freguesia de Anta. A gerência de 1897 elaborou a primeira reforma dos estatutos e, pensando na construção da futura sede, apresentou uma proposta ao Governo para que ordenasse a Câmara da Feira a ceder o terreno do campo da feira. Na tentativa de combater o aumento acentuado da despesa, foram severamente reprimidos os sócios que cediam as suas cadernetas e recibos de cobrança a estranhos para estes usufruírem indevidamente dos serviços médicos e farmacêuticos. O ano de 1898 ficou marcado por um elevado deficit decorrente da quantia gasta com medicamentos. A solução encontrada para pôr cobro a esta situação passava por fornecer medicamentos aos filhos e esposas dos associados somente quando a doença os obrigasse a permanecer no leito, e por uma campanha de recrutamento de novos sócios. Em conformidade com o capítulo VIII do decreto-lei de 28 de fevereiro de 1891, o sócio João Francisco da Silva Guetim foi eleito delegado ao Conselho Regional do Norte, e em 1900 foi eleito o sócio António dos Santos Pousada. A criação de uma sala de estudo e leitura, e o pedido de autorização ao Governo para vender as inscrições depositadas na Caixa Económica Portuguesa e com esse dinheiro começar a construção da sede, foram as iniciativas de maior destaque neste mandato.  O jornal "O Comércio do Porto” ofereceu vários volumes para a sala de leitura e propôs que a referida sala se designasse de "Biblioteca da Imprensa do Porto”. A Direção seguinte mandou fazer a bandeira da Associação em seda de cor azul e branca, bordada a ouro e com fitas das mesmas cores.
      
Em 1904 a despesa com medicamentos e subsídios pecuniários aumentou para o dobro, circunstância que fez com que a Direção tivesse que utilizar o fundo de reserva. Os conflitos latentes entre a vereação camarária liderada por Joaquim Pinto Coelho e a oposição chefiada pelo industrial Henrique Brandão, que viria a ser o presidente da Câmara da terceira vereação eleita, transpuseram as paredes do município e instalaram-se na Associação de Socorros Mútuos. Este último, em ofício enviado à Direção, oferecia-se para pagar do seu bolso todo o serviço clínico da Associação, caso fosse efetuado por um médico da sua escolha, numa tentativa clara de afastar o Dr. Pinto Coelho, facultativo em exercício e seu inimigo político. Mas em reunião da Assembleia Geral convocada expressamente para resolver este problema, os sócios José Bessa de Carvalho, António Montenegro dos Santos e José Domingues de Oliveira destacaram os serviços prestados pelo clínico, fazendo ver aos presentes quanto era atentatória a oferta feita por Henrique Brandão e que mais não significava do que uma pura vingança. A este propósito, o sócio Vicente Alves Dias lembrou, com base no relatório de 1902 elaborado pela Direção, então presidida pelo industrial, os elogios que foram feitos ao mesmo facultativo. A Assembleia resolveu o diferendo dando um voto de confiança à Direção e aprovando a renovação do contrato com o Dr. Pinto Coelho por um período de três anos.

Em 1905 iniciaram-se os estudos para mais uma reforma dos estatutos e foram eleitas três comissões (Anta, Espinho e Silvalde) para consulta aos sócios sobre o aumento das quotas que seria posteriormente aprovado. A ditadura franquista e as consequentes lutas políticas entre as diversas fações trouxeram para a Associação, nas palavras do presidente António dos Santos Pousada, "avultados prejuízos, por que ela foi vítima de represálias que lhe deviam ser absolutamente estranhas”. Apesar da reforma dos estatutos, as despesas continuaram a aumentar, situação que originou a venda de uma inscrição no valor nominal de um conto de réis e mais duas de cem mil réis, e a realização de quermesses e espetáculos de beneficência com o fim de angariar mais receitas.

A Direção de 1909, dirigida por Manuel Casal Ribeiro, pequeno industrial e membro do Partido Republicano local, foi, em nossa opinião, a que efetuou um trabalho mais dinâmico e a que trouxe maiores benefícios para os sócios. Os novos estatutos, redigidos por Casal Ribeiro e Francisco de Resende, ao introduzirem mais duas classes de sócios, ao criarem a secção fúnebre e ao estabelecerem como um dos fins da Associação a constituição de um fundo de pensões para órfãos e viúvas, revelaram uma maior preocupação com os grupos sociais mais desfavorecidos. Do mesmo modo, a intenção de fundar uma creche para recolher crianças pobres do concelho – apesar de não ter sido concretizada – demonstra nitidamente essa preocupação. Comungando desta posição, a "Gazeta de Espinho”, de 3 de abril de 1910, referia que a inauguração da secção de assistência fúnebre familiar devia ser um estímulo a outras ações no sentido de desenvolver e fomentar a ideia mutualista junto da população piscatória, muito sacrificada pelas miseráveis condições de vida. Além da fundação da creche e, naturalmente, da proteção à infância, seria bom que os dirigentes associativos também pensassem na criação de uma cooperativa de consumo para obstar às sucessivas crises de fome que assolavam esse grupo social. A "Gazeta de Espinho” culpava os dirigentes políticos que sempre desprezaram a "classe” piscatória, não só ao nível da assistência social, como também no campo da educação e instrução, designando essa atuação de "apatia criminosa”. A Caixa Económica anexa à Associação funcionava, na opinião deste periódico republicano, como um meio de libertar os mais pobres da voracidade dos usurários.

O trabalho desenvolvido pela gerência seguinte foi canalizado para a instalação definitiva da sede da Associação. A proposta apresentada em Assembleia Geral deixava em aberto a possibilidade da compra de um terreno para construção de um edifício ou a aquisição de um prédio já edificado. Este assunto continuou a fazer parte das agendas das Direções seguintes: em 1914, o presidente José Augusto Pires propôs que a Associação comprasse uma casa situada na rua 62, contrariando a posição de outros elementos que desejavam adquirir um terreno ao sul da Av. 8. O impasse criado por esta situação levou à nomeação de uma comissão constituída por cinco sócios com a finalidade de estudarem a melhor opção e os seus meios de financiamento. Ainda nesse ano, a Associação espinhense aderiu à Federação Nacional das Associações de Socorros Mútuos. A gerência de 1914 terminou o seu mandato com um acréscimo nas receitas, perspetivando um futuro próspero para a Associação. Em 1915 foi feita uma campanha de sensibilização junto do operariado para que se inscrevessem como sócios, facto que contribuiu para o aumento do número de associados e, consequentemente, da receita, fechando a gerência com saldo positivo.

Podemos concluir nesta abordagem à génese da Associação de Socorros Mútuos de Espinho, que ela nasceu com o objetivo de garantir às classes média e baixa da sociedade espinhense um conjunto de regalias que permitissem atenuar a falta de instrumentos de proteção social que se fazia sentir na sociedade portuguesa da época: socorros médicos e medicamentosos; subsídios de prisão, doença e funeral; apoio pecuniário a órfãos e viúvas; incentivos à instrução literária. Os fins a que se propôs realizar foram salvas raríssimas exceções, atingidos, ainda que para isso tivesse que lutar com várias dificuldades, sobretudo a nível financeiro. A estabilidade económica adquirida a partir de 1915, e a instalação da Associação em sede própria, permitiram a continuação de um projeto mutualista de solidariedade social que hoje é uma realidade partilhada por perto de 3.500 associados. A Familiar de Espinho – Associação Mutualista, tem ainda a funcionar na sua sede da rua 22, uma clínica médica e uma farmácia.

CENTRO DEMOCRÁTICO DE ESPINHO

Nos inícios de 1911 as comissões dirigentes de Espinho do Partido Republicano Português sentiram a necessidade de fundar nesta Praia uma agremiação de caráter político onde se reunissem os vários elementos do Partido Republicano local. Assim, foi nomeada uma Comissão Promotora com a finalidade de organizar um Centro Republicano. Dessa Comissão fizeram parte os seguintes cidadãos: Alexandre Berredo, Alberto Loureiro, Alberto Milheiro, Alfredo Berredo, João de Aragão, João Nunes de Almeida, José Correia Marques, Manuel Casal Ribeiro, Júlio de Bastos Mourão e Ramiro Mourão. O seu intuito, e uma vez "Implantada a República em Portugal e banida totalmente a ideia de uma restauração monárquica”, era lançar as bases de um Centro Democrático cujo fim seria o de concorrer para o engrandecimento moral e material de Espinho. O Centro foi fundado em 15 de abril de 1911 com a eleição dos primeiros corpos gerentes: Assembleia Geral – Alexandre Brandão (Presidente); Manuel Leal Magalhães (Vice-Presidente); Francisco de Resende e Alfredo Delgado (Secretários). Direção – João Pinheiro Aragão (Presidente); José de Sá Couto (Vice-Presidente); Alberto Loureiro e Alberto Milheiro (Secretários); Artur Matos (Tesoureiro); João Nunes de Almeida e António Gama (Vogais). Conselho Fiscal – A. Gonçalves, Adriano Brandão e Henrique Patela. Comissão de Propaganda/Política – Joaquim Pinto Coelho, Manuel Laranjeira, Júlio Mourão, Montenegro dos Santos e Manuel Casal Ribeiro. A eleição decorreu num dos salões do Café Chinês, sede provisória do Centro Democrático, com a participação de mais de 50 cidadãos filiados nesta agremiação política. 

O projeto dos seus estatutos, redigido por Ramiro Mourão e datado de 20 de abril, foi discutido em Assembleia Geral em 27 de abril de 1911 e aprovados em 6 de maio desse ano. A sociedade foi denominada "Centro Democrático de Espinho”, constituída por um número ilimitado de sócios. Para além de fazer a propaganda dos bons e sãos princípios democráticos, contribuindo, como já constatamos, para o engrandecimento moral e material de Espinho, eram objetivos do Centro: promover, propagar e auxiliar a criação de escolas, cantinas escolares, jardins-escolas, biblioteca, hospitais e todas as obras de solidariedade democrática; contribuir para a propaganda e desenvolvimento da imprensa republicana, especializando a local; promover nas salas do Centro Democrático, conferências, preleções, saraus literários e científicos, realizados por associados ou não associados; organizar exposições artísticas e concertos musicais com o intuito de educar e aos quais poderão assistir os sócios e as suas famílias; proporcionar na sua sede, leitura, conversação e jogos lícitos. Podiam ser sócios todos os cidadãos que professassem ideias democráticas, assim distribuídos: contribuintes ou efetivos; beneméritos (donativo único nunca inferior a 50 mil réis); protetores (donativo único de 5 mil réis); honorários (altos serviços prestados à causa democrática ou por outra manifestação de grande valor moral ou intelectual); correspondentes (indivíduos que residindo fora de Espinho estejam em condições de prestar serviços ao Centro). Ainda podiam ser sócios, os cidadãos estrangeiros residentes ou de passagem (veraneantes), mas sem poderem tomar parte de atos que tivessem caráter político. 

Dos deveres e dos direitos dos associados, destaca-se: o pagamento mensal da quota e a quantia única de 200 réis pelo cartão de identidade; obrigatoriedade de permanecer sócio durante 1 ano; não sendo sócios efetivos, os sócios beneméritos, protetores, honorários e correspondentes, não poderiam ser eleitores nem elegíveis; a propor para sócio todo o individuo digno de o ser; a votar e a ser votado, sendo de maior idade; a intervir nas assembleias gerais. O Fundo Social do Centro era constituído pela importância das quotas dos sócios e pelo valor dos cartões de identidade, por donativos pecuniários e receita eventual. 

A Direção, composta de sete membros efetivos, reunia ordinariamente duas vezes por mês e tinha com principal função a administração da sociedade e a elaboração dos regulamentos internos. A Assembleia Geral era a autoridade suprema do Centro, reunia de forma ordinária ou extraordinária, e anualmente na primeira quinzena de janeiro para a eleição dos novos corpos gerentes e apresentação de contas do ano económico (1 de janeiro a 31 de dezembro). Ao Conselho Fiscal, composto por três membros, competia a fiscalização dos atos administrativos da Direção. À Comissão de Propaganda cumpria tomar a iniciativa dos atos políticos do Centro, redigir manifestos, fazer a propaganda da imprensa republicana, especializando a local, representar os interesses políticos dos sócios nos atos eleitorais, e promover conferências e comícios de propaganda política. O Centro Democrático de Espinho só poderia ser dissolvido por absoluta falta de meios e se Assembleia Geral assim o entendesse. Após a sua dissolução, uma comissão de cinco membros, eleita pela Assembleia, tratava da sua rápida liquidação. 

Em dezembro de 1911 foram eleitos os segundos corpos gerentes continuando Alexandre Brandão a presidir à Assembleia Geral, apoiado por José Moreira da Costa, João Cirne Madureira e Vicente Alves Dias. O capitão Manuel Leal Magalhães assumiu a presidência da Direção, assessorado por Fernando Matos, Ramiro Mourão, Alfredo de Berredo, António Montenegro dos Santos e Avelino Vaz. O Conselho Fiscal foi constituído pelo General Correia dos Santos, José Leopoldino Furtado e Henrique Portela Montelobo. Na Comissão Política continuaram os homens fortes do Partido Republicano local: Manuel Laranjeira, Joaquim Pinto Coelho, Manuel Casal Ribeiro e António Cruz. No mês de outubro de 1912 a Assembleia Geral aprovou novos estatutos. Nas eleições de 1913 para a Junta de Paróquia de Espinho, o Partido Republicano local apresentou os seguintes candidatos efetivos: Álvaro José de Almeida (negociante), João Martins Rodrigues (empregado comercial), José Xabregas Júnior (negociante), Serafim Francisco dos Santos (negociante). Como substitutos integraram a lista, os cidadãos António Alves Moreira (empregado comercial), Crispim Rodrigues Pinto Pinhal (negociante), Francisco Rodrigues Bento (Pescador) e Gaspar Dias (negociante). 

Em dezembro de 1915 foi eleita a Comissão Municipal do Centro Democrático de Espinho, que ficou composta pelos cidadãos, Joaquim Pinto Coelho, Alberto Augusto Dias Milheiro, Augusto de Castro Lopes Brandão, Alberto Delgado, António Montenegro dos Santos, Jerónimo Alves Moreira, José Xabregas Júnior (efetivos), Avelino Vaz, João Francisco da Silva Guetim, Sebastião José de Miranda, Joaquim de Sá Alves Oliveira, José de Sousa Martins e José Moreira de Sousa (substitutos). Em 1916, Augusto de Castro Lopes Brandão foi eleito Presidente da Assembleia Geral, coadjuvado por Fernando Alves Mendes de Carvalho, Manuel Maria Batista e Carlos Augusto Melo Sárria. A Direção ficou composta por António de Oliveira Salvador, Joaquim de Sá Alves Oliveira, Jerónimo Alves Moreira, Apolinário Pereira e Serafim Francisco dos Santos. Na Comissão Fiscal constam os nomes de João Xabregas Júnior e João Martins Rodrigues. Integraram a Comissão Política Paroquial do Partido Republicano os seguintes cidadãos: António Salvador Júnior, José Xabregas Júnior, Serafim Francisco dos Santos, António Pinto Loureiro, Manuel Gomes Ferreirinha (efetivos), Rafael Dias da Fonseca, Hilário Casal Ribeiro, Joaquim Luís Rodrigues, António Cirne Madureira e José de Sousa Martins (substitutos). 

Em 1924 o Centro Democrático de Espinho ainda estava em atividade, notando-se uma clara atividade nas áreas da instrução e do ensino, bem como da solidariedade social. Esta linha de intervenção, veio na continuidade da criação da Escola António José de Almeida em 1909. A "Cartilha Maternal” e o "Método João de Deus” foram adotados, e as aulas eram diárias e gratuitas. O curso era dirigido pelo professor Augusto Dias Milheiro. Em 1913, os cursos ministrados eram os seguintes: português, francês e inglês (noções práticas); desenho Geométrico aplicado às Artes; higiene geral; física e química aplicada às industrias; escrituração comercial (noções gerais); aritmética prática e geometria. As matrículas estavam abertas para os sócios (de ambos os sexos) do Centro Democrático de Espinho e suas famílias. Uma última referência para as comemorações do 5 de outubro de 1910, organizadas por este Centro. O programa era extenso, dando como exemplo o ano de 1915. Umas girândolas de foguetes anunciavam o início dos festejos, seguido de duas bandas de música que percorriam várias ruas da Vila de Espinho, ao som dos hinos a "Portuguesa” e "Maria da Fonte”. Os coretos da Av. 8 e do Jardim da Graciosa estavam sempre muito bem engalanados para receberem as bandas de música do Soqueiro e do Couto Cucujães. Do quartel dos Bombeiros Voluntários de Espinho saia o cortejo constituído por vários carros ornamentados de algumas coletividades da terra (Espinho Clube, Associação Comercial, Associação dos Empregados do Comércio e Indústria, Sporting Clube de Espinho e Bombeiros Voluntários). A Avenida 8 e a rua da Graciosa apresentavam-se "garridamente ornamentadas” e muitas casas comerciais, hotéis, residências particulares e sedes das coletividades, colocavam uma iluminação difusa e muitas bandeiras portuguesas, não esquecendo os bustos da República.


ASSOCIAÇÃO CULTUAL DE ESPINHO

A Lei da Separação do Estado das Igrejas, publicada em 20 de abril de 1911, foi o culminar do sentimento anticlerical que se desenvolveu a partir da implantação do Liberalismo. As primeiras medidas para pôr fim a séculos de dominação do clero resultaram da aprovação do Decreto de 30 de maio de 1834 que extinguiu as ordens religiosas masculinas e nacionalizou todos os seus bens. Seguiu-se-lhe, em 1861, a desamortização dos bens das freiras, das igrejas, "das paróquias, das irmandades, das confrarias, dos hospitais, dos recolhimentos, das misericórdias...”. De acordo com Raúl Rêgo, no volume III da sua "História da República”, o que os governos liberais pretenderam com esta política foi, por um lado, acabar com as vantagens e os privilégios adquiridos pelo clero e, por outro, impor a nova ordem liberal a uma Igreja que condenava o liberalismo e cuja mentalidade era vincadamente absolutista.
Com o advento da República a secularização da sociedade converteu-se na grande questão do regime. O primeiro passo nesse sentido foi dado com o Decreto de 8 de outubro de 1910, três dias após a implantação do novo regime em Portugal, que expulsou as ordens religiosas e encerrou os conventos numa clara demonstração anti-jesuítica. Por sua vez, o Decreto de 3 de novembro introduziu o divórcio em Portugal, permitindo a anulação do matrimónio que era considerado pela Igreja como um sacramento indestrutível. O passo seguinte foi dado em fevereiro de 1911 com a publicação da lei que instituiu o registo civil obrigatório. Esta medida abalou sobremaneira os interesses do clero "porque os afetava em muitos emolumentos e tirava do seu domínio grande quantidade dos seus fregueses”. Finalmente, a Lei da Separação veio garantir a plena liberdade de escolha do culto religioso, deixando a religião católica "de ser a religião do Estado”.
          
Com esta nova lei a República permitia o culto particular ou doméstico de qualquer religião e não reconhecia, nem subsidiava, qualquer forma de culto. O exercício do culto religioso competia e passava a ser sustentado pelos indivíduos que livremente pertencessem à respetiva religião como seus membros ou fiéis.  Deste modo, os fiéis de cada religião (católicos, protestantes, judeus, etc.) passaram a ser os únicos contribuintes do seu próprio culto mas, obrigatoriamente integrados em corporações, exclusivamente portuguesas, de assistência e beneficência, instituídas ou por instituir, "mediante autorização concedida por portaria do Ministério da Justiça, preferindo a misericórdia a qualquer outra, e na falta da misericórdia ou de corporação com individualidade jurídica que [tivesse] a seu cargo um serviço análogo, como hospital, hospício, albergaria, asilo, creche, albergue ou recolhimento, uma confraria ou uma irmandade que tenha sido ou [pudesse vir a ser] destinada à assistência e beneficência”. ("Lei da Separação do Estado das Igrejas”, art.º 17.º, 20 de abril de 1911.)

Em Espinho, a aplicação do art.º 17.º parecia à partida não levantar grandes problemas devido à existência da Irmandade de Nossa Senhora da Ajuda que, dessa forma, seria a entidade reguladora do culto. A não-aceitação deste encargo por parte da Irmandade pôs em risco a administração do culto católico no concelho, e teve a ver com a entrega das chaves da capela de Santa Maria Maior e das suas alfaias à Comissão Administrativa da Paróquia de Espinho, que reivindicava para si a propriedade da referida capela. As pretensões desta comissão, presidida por Manuel Gomes Ferreirinha, foram deferidas através de uma carta assinada pelo próprio Afonso Costa, Ministro da Justiça do Governo Provisório da República, e na qual ordenava a imediata elaboração de um arrolamento de todas as alfaias, mobiliário ou valores da capela e também a aquisição de uma cópia da chave que ficaria na posse do Ministério da Justiça.  A este propósito, convém referir que com a Lei da Separação, todas as catedrais, igrejas e capelas, bens imobiliários e mobiliários, destinados ao culto público da religião católica e cuja propriedade (particular ou de uma corporação com individualidade jurídica) não fosse bem determinada, passavam a ser propriedade do Estado. Esta recusa por parte da Irmandade em ficar responsável pelo culto católico, levou a que um conjunto de vinte e três cidadãos espinhenses dos mais variados estratos sociais, liderados por Manuel Casal Ribeiro, constituísse, em dezembro de 1911, uma Comissão Cultual. A elaboração dos estatutos e a organização da futura Associação foram as primeiras tarefas dessa Comissão.

Os estatutos, dos quais não existe qualquer cópia, foram aprovados pela 1.ª Repartição da Direção Geral dos Eclesiásticos, em 22 de janeiro de 1913, e a primeira direção da Associação Cultual de Espinho, presidida por Manuel Casal Ribeiro, tomou posse em fevereiro do mesmo ano. A Direção eleita solicitou de imediato à Comissão Administrativa da Paróquia a entrega de todos os haveres e edifícios pertencentes ao culto da freguesia (Igreja Matriz e Capela de Santa Maria Maior) e, nesse sentido, tomou as seguintes decisões: nomeou o sócio José Marques Pinto para guarda dos templos a cargo da Associação, sem qualquer remuneração; nomeou uma comissão de sócios com o objetivo de arranjar um padre para substituir o pároco da freguesia, Rev.º Joaquim Teixeira da Silva Amaral, no caso deste se recusar a exercer o culto; estabeleceu um ordenado mensal de vinte mil réis e uma verba para emolumentos a pagar ao ministro do culto; determinou a realização das reuniões da Direção na primeira Segunda-feira de cada mês numa das salas da Igreja Matriz que funcionava como sede da Associação; incumbiu o secretário e o presidente do respetivo serviço de escrituração. Dentro deste contexto, as Cultuais eram obrigadas pela lei a aplicar pelo menos um terço de tudo quanto recebessem para fins cultuais e atos de assistência e beneficência, entregando essas importâncias às entidades competentes ou discriminando-as corretamente na parte do seu orçamento relativo às despesas de carácter civil. Os encargos do sustento e habitação do ministro do culto eram retirados dessa verba. A tabela máxima de emolumentos relativa a qualquer ato cultual era obrigatoriamente enviada à Junta de Paróquia que a afixaria em todos os edifícios destinados ao culto, e tinha que conter todas as indicações dos casos em que os ministros da religião fossem autorizados a receber esses emolumentos.

Esta tentativa de "nacionalização” do culto católico, obstou o normal funcionamento da Associação Cultual, que foi sempre dificultado pelas constantes acusações de que era alvo por parte da Irmandade de Nossa Senhora da Ajuda. Este conflito agudizou-se a partir do momento em que esta última culpou publicamente a Associação Cultual dos prejuízos materiais que para Espinho poderiam advir em virtude da cultual ter tomado posse dos templos impedindo assim a Irmandade de exercer livremente o culto. Perante esta acusação, a Cultual publicou na "Gazeta de Espinho”, de 2 de março de 1913, um "Manifesto aos Católicos de Espinho” no qual exprimia a sua indignação face aos boatos que se tinham propalado sobre um possível encerramento dos templos. Segundo o presidente da Direção, esses boatos não tinham qualquer fundamento porque nunca havia sido aventada a possibilidade do fecho dos templos. Assim, e para comprovar o desejo da Cultual em manter os templos abertos e ao serviço do culto religioso, o pároco da freguesia foi convidado para continuar no exercício das suas funções, e a Irmandade autorizada a continuar a exercer livremente o culto religioso na Capela de Santa Maria Maior. Contudo, o culto ficaria sujeito às seguintes condições: à exceção das cerimónias religiosas constantes dos estatutos da Irmandade, não poderiam ser realizadas outras sem a prévia autorização da Cultual; não era consentida na Capela de Santa Maria Maior a realização de confissões nem o ato da comunhão a não ser por ocasião da festa da padroeira; só os padres previamente munidos de licença da Associação Cultual podiam celebrar missa; estava proibida a realização de cerimónias próprias da Igreja Matriz, salvo quando fossem presididas pelo pároco cultualista ou outro por ele autorizado; o pároco da cultual podia livremente rezar missa na Capela. Perante este cenário que impedia a plena liberdade do culto religioso, a resposta foi negativa, facto que levou a associação cultual a solicitar ao Administrador do Concelho a dissolução da Irmandade por esta faltar aos compromissos impostos pelos seus estatutos. A Irmandade, abalada com a possibilidade de ser extinta, pediu novamente à Direção da Cultual a entrega da capela, a troco do pagamento de uma renda mensal e com o encargo da conservação e reparação da mesma, mas esta pretensão não foi aceite.

O pároco Joaquim Teixeira Amaral seguiu o mesmo caminho e também não aceitou o convite para exercer o culto. Esta recusa não o impediu de continuar a praticar os atos do culto paroquial em sua casa, alegando em sua defesa que estava a cumprir a Lei da Separação, e designadamente o seu art.º 7.º o qual permitia a plena liberdade de exercício do culto particular ou doméstico. A associação cultual, considerando a atuação do padre Amaral como uma prática ilegal e acusando-o de utilizar as âmbulas com os santos óleos pertencentes ao batistério da Igreja Matriz, solicitou ao Ministro da Justiça a sua expulsão da paróquia. Nos primeiros anos da República, a expulsão dos padres das suas paróquias e a consequente interdição do exercício do culto foi uma prática comum. Quem consultar os "Diários do Governo”, a partir de 20 de abril de 1911, depara-se com frequentes despachos do Ministro da Justiça punindo os párocos que não cumpriam a Lei da Separação, nomeadamente os seus artigos 9.º, 13.º, 17.º, 43.º, 55.º e 146.º. Este último artigo abrangia todas as situações que não estivessem contempladas nos outros artigos, definindo que o ministro da religião, que faltasse a qualquer das obrigações ou desobedecesse a alguma das prescrições contidas nas restantes disposições do presente decreto com força de lei ou nos diplomas em vigor, poderia ser punido com a simples pena disciplinar de proibição de residência, ou com a de suspensão da pensão, conforme parecesse ao Governo, mas nunca por tempo excedente a dois anos.”

Assim, por despacho de 6 de abril de 1913, o padre Joaquim Amaral acabou por ser punido com a interdição de residência no concelho de Espinho e freguesias limítrofes por um período de dezasseis meses, passando o arquivo paroquial para a guarda do oficial do registo civil. O padre António Moreira Garção, que segundo a cultual se havia arrogado na qualidade de pároco continuando em casa daquele a praticar todos os atos do culto paroquial, acabou também por ser sancionado com a pena de interdição de residência. Deste modo e sem ministros que pudessem exercer o culto, a Associação viu-se obrigada a proceder à contratação de outro padre. Mas enquanto decorria este processo, todos os atos do culto no concelho passaram a ser celebrados pelo Reverendo António Moreira, pároco da freguesia de Anta. Os serviços prestados pelo sacerdote que viesse a ser contratado exigiam o pagamento de uma verba que a Associação, no momento, não dispunha. Para ultrapassar esse obstáculo foi solicitado a todos os paroquianos que se inscrevessem como sócios da Associação, o que implicava o pagamento de uma quota anual de 480 réis, no caso de serem casados, e de 240 réis para os solteiros e viúvos. Desta maneira, a última palavra cabia aos paroquianos que, se não optassem por aderir à Associação, esta via-se obrigada a fechar os templos por falta de recursos e a adaptá-los para serviços civis. A Cultual contava então com vinte e três sócios inscritos que eram os elementos que tinham integrado a Comissão Cultual e que, por esse motivo, foram considerados sócios fundadores. Após aquela medida apenas se inscreveram mais sete sócios. A fraquíssima adesão de novos sócios e a manifesta falta de receitas provocada pela não cobrança de quotas determinou a abertura de uma subscrição voluntaria entre os paroquianos de Espinho para o pagamento da gratificação ao padre que a cultual viesse a contratar.

A população de Espinho era manifestamente contra a Associação Cultual e esse facto sentia-se pela sua recusa em participar nos atos religiosos praticados na Igreja Matriz por um padre cultualista. Segundo o presidente da Direção, os padres católicos (a população designava os padres que se opunham à Lei da Separação por "católicos” para fazer a destrinça com os padres contratados pela Associação, "os cultualistas”) continuavam a utilizar argumentos capciosos a coberto do art.º 7.º da Lei da Separação, enchendo as casas particulares de fiéis na maioria das vezes estranhos à família da casa, sem que a autoridade pudesse fiscalizar o número de assistentes, nem tão pouco o que ali iam fazer. Essas reuniões, na sua ótica, poderiam servir para se conspirar contra a Lei da Separação e, consequentemente, contra a República. O perigo tornava-se ainda maior quando os "abades rebeldes” fiéis à monarquia incutiam no espírito do seu "rebanho” a ideia da excomunhão se participassem em cerimónias realizadas por padres ao serviço da Cultual. Para acabar com esta afronta a Associação propôs ao Governo, entre outras medidas, que adicionasse ao art.º 7.º o seguinte parágrafo: considerava-se a prática do culto particular quando fosse ministrado em casa ou capelas particulares com a assistência somente do proprietário, pessoas de família e parentes até ao 3.º grau. Assim, a pessoa que não estivesse dentro destas condições e que assistisse a qualquer ato desse culto, seria considerada contribuinte clandestino e, por conseguinte, incorria na pena de desobediência ao art.º 17.º, sendo-lhe aplicada a respetiva pena correcional. 

O primeiro padre contratado veio da Régua e, em virtude de vários entraves suscitados por alguns católicos, quebrou o compromisso que tinha assumido com a Cultual e voltou para a sua terra. Entretanto, e à semelhança do que já tinha acontecido com a constituição da "Comissão Concelhia do Recenseamento Geral da População da República”, da qual 
faziam parte os cidadãos Joaquim de Sá Alves de Oliveira, presidente da Câmara Municipal em substituição, José Correia Marques Júnior, médico, Artur Correia Ribeiro, oficial do Registo Civil, João Francisco da Silva Guetim, vereador e Francisco de Resende, negociante, foi nomeada a "Comissão Concelhia de Administração dos Bens Cultuais”, que estava diretamente subordinada ao Ministério da Justiça e mais concretamente à "Comissão Central de Execução da Lei da Separação”, e na qual participaram os cidadãos Joaquim Pinto Coelho, Marcelino José de Oliveira e Silva, Joaquim Luís Rodrigues e Avelino Vaz. No seguimento dessa nomeação, e mais precisamente no dia 8 de junho de 1913, após autorização prévia do Ministro Afonso Costa, tomava posse como ministro da religião católica ao serviço da Associação Cultual de Espinho, o padre António Augusto de Sequeira, natural de Sedovim, concelho de Vila Nova de Foz Côa. De acordo com o contrato celebrado por um período de um ano, o pároco recebia um vencimento mensal de vinte mil réis, além das gratificações estipuladas para serviços extraordinários.
          
A vinda do novo padre não atraiu mais fiéis à Igreja Matriz, nem mais sócios à Associação, provocando, desse modo, um acentuado aumento das despesas o que levou alguns dos sócios fundadores a proporem ao presidente da Direção que a administração da capela de Santa Maria Maior fosse entregue a uma comissão de cidadãos não sócios.

Essa Comissão que foi constituída pretendia que os atos do culto fossem da inteira responsabilidade dos "padres católicos”, enquanto a Cultual, ponderando o assunto e reconhecendo não poder fazer tal conceção para padres rebeldes e desrespeitadores da lei basilar da República, e visto que a sua divisa tinha sido a de os submeter á referida lei promovendo-lhes toda a guerra possível, mas reconhecendo que a sua presença na Direção estava sendo apreciada por alguns sócios, de forma diversa daquela que deveria ser, resolveu por unanimidade solicitar a sua demissão. A solicitação da Comissão de Cidadãos não só pretendia reabilitar para o culto os padres considerados rebeldes pela Cultual, como também referia, de forma enfática, que a falta de missas na capela e a posse dos templos pela Associação Cultual provocava o afastamento dos veraneantes desta Praia com todos os prejuízos que daí pudessem advir para os agentes económicos do concelho. Confrontando esta solicitação com o pedido da Direção, o presidente da Assembleia Geral aceitou a demissão e procedeu à eleição de uma nova Direção, que passou a ser presidida pelo banheiro Manuel Pinhal Júnior.  
O "Relatório e Contas” da Direção demissionária começa com críticas à Irmandade de Nossa Senhora da Ajuda, dizendo tratar-se de uma sociedade que só existia no papel, pois na prática ninguém sabia onde é que ficava situada a sua sede, e também aos padres "católicos”, considerados "ferozes inimigos e reacionários de sotaina e casaca”. Foi proposto um voto de profundo agradecimento ao abade de Anta, padre Manuel Moreira, que "combateu” e venceu em nome da Associação os seus colegas dissidentes, considerados "implacáveis inimigos e, por conseguinte, os inimigos da República”. De acordo com o relatório, o aumento de sócios foi quase inexistente devido aos múltiplos afazeres e assuntos em que a Direção teve de intervir, o mesmo se passando em relação à cobrança de quotas que nunca foi efetuada. A situação financeira deixada pela Direção cessante era de completa rutura, apresentado um saldo negativo de 40$040 réis.     

A nova Direção eleita, não possuindo meios para repor o equilíbrio financeiro, nem tão pouco para cumprir o contrato que a Associação Cultual tinha assumido com o padre António de Sequeira, resolveu despedir este sacerdote e entregar a guarda dos templos e das alfaias à Irmandade de Nossa Senhora da Ajuda, para esta continuar a exercer o culto como já o fazia antes da entrada em vigor da "Lei da Separação”. Em carta dirigida ao presidente da Assembleia Geral, os membros da Direção, considerando que não existiam as condições mínimas para continuar à frente dos destinos da Associação, pediram quer a demissão dos seus cargos, quer de associados. As razões invocadas para essa decisão residiam nos seguintes factos: o povo da freguesia, desde que a Associação Cultual tomara conta dos templos, nunca contribuíra para o culto católico; a subscrição efetuada rendera apenas dois escudos e dez centavos; a falta de verbas para saldar as contas em atraso com o padre contratado obrigara a Direção a contrair um empréstimo de treze escudos e noventa e quatro centavos junto do negociante Narciso André de Lima; o reconhecimento de que era impossível a existência da Associação Cultual por manifesta falta de recursos. Em virtude desta grave situação financeira, a Assembleia Geral decidiu-se pela extinção da Associação Cultual, entregando à Junta de Paróquia de Espinho as chaves dos templos e de todos os haveres do culto que estavam em sua posse, e ao Administrador do Concelho todos os livros e demais documentos. A Junta de Paróquia, encontrando-se de posse dos templos, deliberou colocá-los à disposição de qualquer corporação legalmente constituída em conformidade com o art.º 17.º da "Lei da Separação” ou que, na falta dessa corporação, os mesmos templos e haveres permanecessem ao dispor do ministro da religião católica que se encontrasse investido na presidência do culto público da freguesia de Espinho. A grande questão que se colocava é que em Espinho não existia um único padre "católico” que quisesse colaborar com a Junta de Paróquia ou com as Cultuais, como facilmente se depreende pelo teor do despacho do Ministro da Justiça, datado de 12 de Junho de 1913: os presbíteros António Moreira Garção, Joaquim Baptista de Aguiar, José Alves Coelho, José Correia Dias de Almeida, Manuel Dias de Sousa e Manuel Pereira de Sousa, moradores no concelho de Espinho, ficavam proibidos de residir dentro dos limites do referido concelho por um período de vinte quatro meses para o primeiro e de dezoito meses para os restantes.

Assim, à falta de uma corporação que voltasse a dirigir os serviços do culto na freguesia, levou a que um conjunto de associados da extinta Associação Cultual resolvesse reassumir os destinos do culto público, elegendo para o efeito uma Direção provisória constituída por José Xabregas Júnior, presidente, Miguel Monteiro, secretário e António de Oliveira Reis, tesoureiro. Segundo o parecer do novo tesoureiro e do sócio José Pinto Loureiro, a forma como tinha sido dissolvida a Associação era ilegal e, por conseguinte, consideravam-na instituída face à lei. A Direção provisória conseguiu angariar mais nove sócios (n.º 31 a 39) com o pagamento de uma quota de quarenta e oito centavos, e admitiu onze cidadãos com a categoria de associados protetores da Associação Cultual, a saber: Joaquim Pinto Coelho (Médico), António Montenegro dos Santos (Notário), António de Oliveira Salvador Júnior (Negociante), Alberto Milheiro (Dentista), Alberto Delgado (Farmacêutico), José de Carvalho (Fotógrafo), David de Sousa Rocha, Joaquim de Sá Alves Oliveira (Proprietário), José Pinto da Silva Ventura, Francisco Pereira Barbosa (Negociante) e Júlio Augusto de Figueiredo.
          
Na falta de um ministro do culto e enquanto não eram eleitos os novos corpos sociais, foi tomada a seguinte decisão: facultar a todos os fiéis católicos os paramentos e alfaias para as suas cerimónias religiosas, ainda que fossem realizadas fora dos templos administrados pela Cultual; tocar os sinos da igreja e da capela aquando da realização de funerais; abrir os templos a todos os católicos que quisessem fazer as suas orações; dar todas as facilidades aos fiéis para que não pudessem alegar que eram impedidos de exercer a sua crença religiosa. A Direção eleita, presidida por Eduardo Marrecas Ferreira, admitiu mais seis novos sócios (n.º 40 a 45) e incumbiu o sócio José Xabregas da superintendência nas cerimónias do culto, mas sempre sob a responsabilidade e direta fiscalização dos corpos sociais.

Apesar da "Gazeta de Espinho” referir em algumas das suas crónicas para a importância que as Cultuais vinham assumindo na nobilitação da profissão de sacerdote e para o princípio assente que nas democracias o poder civil tinha a supremacia dentro do Estado, a situação da Associação Cultual não melhorou, chegando ao fim o seu sinuoso percurso. Assim, em abril de 1914, o Governador Civil do Distrito de Aveiro dissolvia por alvará a Associação Cultual de Espinho e, segundo o seu parecer, a Irmandade de Nossa Senhora da Ajuda deveria tomar conta do culto na Igreja Matriz e na Capela de Santa Maria Maior. Como esta associação religiosa se encontrava fora da Lei, e enquanto não eram aprovados os seus novos estatutos, foi nomeada, a título provisório, uma comissão administrativa com a finalidade de superintender os serviços de culto no concelho. Fizeram parte dessa Comissão os cidadãos Afonso de Pinho Pinhal, Álvaro José de Almeida, António de Barros Caturma, António Godinho Lapa, Bernardo Pereira, Francisco Ferreira Neto, João Valente Arruda, Manuel José Pinho Pinhal, e Narciso André de Lima.

A história da Cultual de Espinho, como de tantas outras Associações Cultuais que foram constituídas em Portugal, ficou refém de uma Lei da Separação do Estado das Igrejas, que mais do que separar, pretendia integrar à força a Igreja dentro do Estado e controlar por essa via o culto católico. Para tal, foram criadas em vários concelhos as Associações Cultuais que, juntamente com as Juntas de Paróquia e as Comissões Concelhias, controlavam todas as formas de culto até ao mais ínfimo pormenor: veja-se o caso das procissões e outras manifestações exteriores do culto que só eram permitidas se constituíssem "um costume inveterado da generalidade dos cidadãos”. Dentro do mesmo âmbito o toque dos sinos era regulado pela autoridade administrativa municipal de acordo com os usos de cada localidade. Neste contexto, a população espinhense, na sua essência muito conservadora no tocante a práticas religiosas, viu com maus olhos a criação da Cultual que era essencialmente constituída por militantes e simpatizantes do Partido Republicano local, muitos dos quais ocupando cargos diretivos e de chefia. Por outro lado, a população posicionou-se sempre ao lado da Irmandade de Nossa Senhora da Ajuda que, apesar de despojada dos seus haveres, lutou sempre pela posse da Capela de Santa Maria Maior e do respetivo serviço religioso. Note-se, que alguns dos seus elementos foram tratados pela Cultual por "retintos reacionários”, acabando a Associação por recorrer a um deles quando precisou de dinheiro para saldar as contas com o padre cultualista. O sentimento de revolta contra a Cultual por parte de uma grande maioria dos cidadãos de Espinho ainda ficou mais forte, com a pena de interdição de residência aplicada ao pároco Joaquim Amaral, que foi um dos principais obreiros da construção da Igreja Matriz, situação que afastou por completo o povo dos templos administrados pela Cultual.
 
Na sua essência a Lei de Separação, elaborada por Afonso Costa, apresentou aspetos positivos e negativos. Por um lado, a liberdade de consciência de cada cidadão na escolha de uma religião e a isenção do Estado nessa matéria. A responsabilidade de cada credo religioso sustentar o seu próprio culto, e o reconhecimento em termos jurídicos da condição de mulheres, filhos e viúvas de padres, situação que desde sempre existiu, mas que a hierarquia da Igreja considerava um assunto proibido, são dois artigos que refletem a procura de uma certa transparência em matérias incontornavelmente polémicas. Por outro lado, a criação das corporações cultuais e das comissões concelhias constituídas, quase sempre, por elementos laicos desfasados das práticas religiosas, tornaram-se um obstáculo ao pleno exercício do culto católico, acabando a fiscalização do culto e a posse dos templos, por condicionar a liberdade religiosa. Por fim, a continuação do beneplácito régio que só terminou em 1918 para as determinações da Cúria Romana, não fez sentido no âmbito desta lei, e muito menos num Estado republicano que se pretendia o mais laico possível.  
Ficheiro Relacionado: Lista de Associações (PDF) (3.55 MB)